quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Pela primeira vez - "em 500 anos" - acusado pela morte de indígena pode ser condenado!

Julgamento histórico de morte de indígena acontece dia 21 em São Paulo. Transferência de local do júri é rara no país.

O julgamento dos três acusados pelo assassinato do cacique guarani-kaiowá Marcos Veron, ocorrido em janeiro de 2003 em Juti, no interior de Mato Grosso do Sul, acontece na próxima segunda (21), em São Paulo. A pedido do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal do Júri foi transferido de MS para SP para garantir a imparcialidade dos jurados e evitar que a decisão sofra influência social e econômica dos envolvidos no crime.

Pelo MPF, participam do julgamento, no Fórum Jarbas Nobre, na capital paulista, os procuradores da República Marco Antônio Delfino de Almeida, de Dourados, Rodrigo de Grandis e Marta Pinheiro de Oliveira Sena, de São Paulo, além do procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.

O julgamento é considerado histórico pois é a primeira vez que acusados pela morte de um indígena em Mato Grosso do Sul vão para o banco dos réus. Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde são acusados de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e meio cruel, tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de sequestro, fraude processual e formação de quadrilha. Outras 24 pessoas foram denunciadas por envolvimento no crime.

O júri foi suspenso em maio do ano passado, depois que o MPF abandonou o plenário, em protesto contra a decisão da juíza Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Federal (SP), que iria designar intérprete apenas para os índios que não falam português. Para o MPF, o fato de um indígena compreender o que é perguntado não significa domínio completo do idioma e do universo simbólico que ele representa. Além disso, a ordem para que os índios falem apenas Português, sem auxílio de intérprete, viola convenções internacionais e a Constituição Federal.

Entenda o caso

Acampados na Fazenda Brasília do Sul, em Juti, região sul do estado, na área reivindicada por eles como Tekohá Takuara, os kaiowá sofreram ataques nos dias 12 e 13 de janeiro de 2003, de um grupo de trinta a quarenta homens armados que foram contratados para agredi-los e expulsá-los daquelas terras.

No dia 12, um veículo dos indígenas com 2 mulheres, um rapaz de 14 anos e 3 crianças de 6, 7 e 11 anos foi perseguido por 8 km, sob tiros.

Na madrugada do dia 13, os agressores atacaram o acampamento a tiros. Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma camionete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por sessão de tortura. Um dos filhos de Veron, Ládio, quase foi queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Marcos Veron, à época com 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu por traumatismo craniano.

Transferência do júri

Entre os motivos levantados pelo MPF para pedir a transferência do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para a capital paulista estão o poder econômico e a influência social do proprietário da fazenda, Jacinto Honório da Silva Filho. Ele teria negociado com dois índios a mudança de seus depoimentos. Eles assinaram um documento em 2004 mudando a versão que deram ao crime, no dia seguinte ao assassinato, inocentando os seguranças contratados pelo fazendeiro. O fazendeiro teria tentado, inclusive, comprar o depoimento do filho do cacique assassinado, oferecendo-lhe bens materiais em troca da assinatura de um termo de depoimento já redigido.

O MPF citou as manifestações de juiz estadual contra os indígenas e contra o procurador da República do caso. Manifestações na Assembléia Legislativa sul-mato-grossense, condenando os acampamentos indígenas e relativizando a morte das lideranças, bem como opiniões desfavoráveis aos índios em diversos jornais do estado também foram juntadas ao processo, para mostrar que um júri federal realizado em qualquer subseção judiciária do estado teria viés contrário aos índios.

Este foi o terceiro caso de desaforamento interestadual do Brasil. Os dois primeiros ocorreram no julgamento do ex-deputado federal Hildebrando Pascoal. Dois de seus júris federais foram transferidos de Rio Branco (AC) para Brasília.


 Nossa opinião,

A sociedade "branca" ainda mantém com os povos indígenas a mesma relação que há 500 anos, quando do descobrimento. É a pura relação entre o colonizado e o colonizador.



FONTE: http://www.brasildefato.com.br/


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

'Decanos Brasileiros - Dez Visões sobre a Democracia no País'


Quais são os rumos do País? O que mudou no Brasil desde a consolidação do processo de redemocratização?

Participam da série personalidades como Hélio Bicudo, Villas-Boas Corrêa, Isaías Raw, Boris Fausto, Hélio Jaguaribe, Fabio Konder Comparato, Danda Prado, Aziz Ab'Saber, entre outros.

O primeiro episódio da série traz uma entrevista do jornalista Otávio Dias, editor do portal do Estadão, com Hélio Bicudo. Jurista, político e ativista dos direitos humanos. Foi deputado federal e vice-prefeito de São Paulo. Desde 2003, é presidente da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FidDH).

FONTE: http://www.estadao.com.br/

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

‘NINGUÉM TEM QUE CHIAR’

Paulo Sergio Pinheiro explica os poderes da Comissão da Verdade e diz que não haverá crise com os militares

Para quem trabalha com tema tão explosivo há tanto tempo, Paulo Sergio Pinheiro exibe uma atitude serena e até bem humorada diante do potencial de crise que pode ser desencadeado com os trabalhos da Comissão da Verdade. Um dos patronos do projeto de lei que criará o órgão, o cientista político descarta clima de confronto: “Eu não vejo nenhuma crise política, ninguém tem que chiar”. Pinheiro já escarafunchou crimes cometidos pela ditadura em Mianmar como relator especial de direitos humanos para a ONU. Acha que o caso do Brasil não é complicado, pois o projeto não prevê que a Comissão possa perseguir nem punir. Apenas informar e esclarecer as violações aos direitos humanos ocorridas no regime militar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O que a Comissão da Verdade vai poder ou não?
A Comissão da Verdade não poderá responsabilizar criminalmente nenhum torturador. A rigor, o Brasil não seguirá o caminho da Argentina, do Chile ou do Peru, países onde vários generais e agentes do Estado, que torturaram e mataram, estão em cana. A Lei de Anistia impede.

Qual seria, então, o objetivo dessa revisão?
É reconstituir efetivamente o que ocorreu. É preciso saber a verdade sobre os crimes cometidos pelos agentes do Estado. O que aconteceu com os dissidentes estamos cansados de saber.

Quais garantias a sociedade tem de que um ciclo de vinganças não se iniciará?
Isso é paranoia imobilizadora. Ódio você não enterra com desconhecimento. A verdade é que esses torturadores são poucas centenas, um bandinho de criminosos nas Forças Armadas, na Polícia Militar e na Civil. A maioria esmagadora não está manchada de sangue. Não é possível que eles continuem com as suas promoções e pensões e tudo continuar escondido. O cientista político italiano Norberto Bobbio diz que a luz do sol contribui para a melhoria das relações da sociedade.

Sabe dizer que se há pesquisas que vão neste sentido?
Sim. As pesquisas mostram que nos países onde houve comissões da verdade as democracias tornaram-se muito mais eficientes, os crimes contra os direitos humanos diminuíram e se tortura muito menos. No Brasil, os torturadores atuais continuam torturando, apesar de ser crime. Eles acham que está tudo numa boa, que não acontecerá nada.

E quais serão os poderes da comissão?
No projeto, ela tem acesso a qualquer arquivo que exista. E só tem graça se for assim. Também tem a faculdade de convocar quem quiser, não pode obrigar, mas pode tornar público que as pessoas estão se recusando a vir. E a comissão não é obrigada a publicar tudo que descobrir. Uma opção, por exemplo, é fazer uma lista de nomes de torturadores e dar para a presidenta da República e para o ministro da Defesa.

Acha que é mais justo divulgar o nome dos generais ou é mais prudente guardar?
Não sei. No caso brasileiro, quem torturava era gente miúda, não era general. Era tarefa delegada para a tropa. O Chile nunca publicou os nomes, a Argentina publicou. A comissão pode decidir que os nomes não sejam publicados nos casos mais revoltantes, por exemplo.

Quem serão os líderes da Comissão da verdade?
A líder é a presidente da República. Compete a ela escolher sete membros. Tem gente nervosa porque não haverá representantes das Forças Armadas. Isso é bobagem porque das 40 comissões da verdade que já houve no mundo, desde a década de 80, não teve representante nem das Forças Armadas, nem das vítimas. E também não pode ter dos partidos. Não dá para generais ou soldados ficarem reclamando da presidente, que é inclusive a comandante em chefe das Forças Armadas. Seria falha grave de hierarquia.

O general José Elito declarou que os desaparecidos políticos durante a ditadura não são motivo de vergonha para o País. Deveria ser demitido?

Eu não sou a chefe dele. O que aconteceu é que quando você é nomeado ministro, e isso também ocorreu comigo, você fica muito exuberante, falando demais. Ele falou um pouquinho demais. As Forças Armadas brasileiras não compartilham dessa preocupação, elas têm sido um exemplo de respeito à legalidade institucional.

Por que existe resistência em abrir os arquivos?
Talvez oficiais da reserva tenham solidariedade, talvez exista esse sentimento no ar pelo que ouvi falar. Mas as Forças Armadas têm estado mudas, como devem estar, e totalmente respeitosas ao presidente da República.

No discurso de posse, Dilma homenageou os que tombaram, os companheiros de luta.
Achei correto ela se solidarizar. Houve centenas de jovens que foram torturados e sequestrados pela ditadura. Ela não tem nada que esconder, quem tem o que esconder são os torturadores.

Então, a anistia foi um erro?
Para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos as autoanistias presenteadas pelos regimes sucessores das ditaduras não são válidas. A anistia é problemática. Os crimes do Estado não podem ser anistiados. Essa é a tese básica do direito internacional. Aqui no Brasil isso está resolvido pelo Supremo. É coisa julgada, não me cabe ficar discutindo, sendo eu membro brasileiro da Comissão Interamericana. A corte deu sentença recentemente condenando a anistia brasileira.

Você acha que para o governo Dilma é politicamente conveniente reabrir esse tema?
Acho que conveniência não é a palavra adequada. A tarefa da presidente está facilitada não só pela sua biografia, mas pelos passos que FHC e o presidente Lula deram. São 16 anos de ações acumuladas para nos aproximarmos da Comissão da Verdade. Eu não vejo nenhuma crise política, ninguém tem que chiar. O Nelson Jobim aprovou todo o projeto. O Estado brasileiro tem essa obrigação perante a comunidade internacional.

Você acha que por Dilma ter sido guerrilheira complica ou facilita as investigações dos crimes da ditadura?
É claro que o fato de a presidente ter tido essa experiência concreta é um fator importante na sua memória, na sua personalidade. Mas em termos da situação política é irrelevante. Está zerado para quem participou da luta armada e para os torturadores, conforme a Lei de Anistia, confirmada pela decisão do Supremo no ano passado.

Ela pode ser encarada como revanchista e não a líder suprema do País?
Isso é conversa para boi dormir. Um presidente da República não pode pretender fazer revanche. Os familiares querem a verdade dos fatos, não revanche. Eles não puderam enterrar os seus familiares.

E quais são os prejuízos de não se instituir a comissão?
Vamos continuar na rabeira, com esse débito absurdo com os familiares dos desaparecidos, o que é incompatível com a democracia. É constrangedor o Brasil, que é uma potência emergente global, ainda ter que ficar fazendo de conta que não houve tortura, de que ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Isso pega mal na comunidade internacional. Nós, que afirmamos ser essa democracia vibrante, na verdade somos ainda subdesenvolvidos em termos da verdade histórica.
PAULA BONELLI

Fonte: http://www.estadao.com.br/ 


Nossa opinião...
Mesmo sendo assunto encerrado no âmbito jurídico, após a decisão do STF, é dever do Estado brasileiro para com as famílias dos desaparecidos, com a população brasileira e com a comunidade internacional, explicar o que aconteceu a cada pessoa submetida a tortura durante a ditadura militar. Não podemos seguir em frente e querer aparentar ao mundo que somos “exemplo de democracia” quando “dentro de casa” ainda temos nossos podres escondidos embaixo do tapete. Quanto às forças armadas não tem mesmo o que chiar, os torturadores, os mandantes dos torturadores estão todos bem protegidos pela lei da Anistia recebendo suas gordas aposentadorias de patentes conseguidas através da tortura e da repressão.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A atualização do socialismo / Uma Cuba mais capitalista ou menos socialista?

Cuba se prepara para mudanças estruturais. Mas estaria em debate a volta do capitalismo?


Eduardo Sales de Lima e
Renato Godoy de Toledo
da Redação


Cuba, a principal experiência socialista da história do mundo ocidental, está em um processo de transformação iminente. Os cubanos devem vivenciar, nos próximos anos, as maiores mudanças no país desde o triunfo da revolução comandada por Fidel Castro em 1959.

Para reverter o processo de estagnação da economia da ilha, os dirigentes do Partido Comunista Cubano (PCC), o único do país, convocaram o seu VI Congresso para abril de 2011 para discutir mudanças econômicas e políticas no país, com o pretexto de “atualizar” o modelo cubano.

O presidente Raúl Castro, que substitui o irmão Fidel desde 2008, é apontado como um dos grandes entusiastas das mudanças e dos debates com a população, inclusive com a presença de dissensos, o que é considerado um avanço para o modelo cubano, frequentemente criticado por suas decisões de cima para baixo.

Ao contrário do que se esperava, a gestão de Barack Obama na Casa Branca, não aliviou o bloqueio à economia cubana, e esse boicote continua sendo a maior causa de atrofiamento do país.

Além do embargo, Cuba sente os efeitos da crise econômica mundial, da redução das exportações em 15% e as consequências de 16 furacões que devastaram a ilha entre 1998 e 2008. Estima-se que os fenômenos naturais causaram um prejuízo de 20,5 bilhões de dólares.

Com esse cenário, o Estado cubano acusa fadiga e apresenta sinais de que não consegue mais ser o único indutor da economia. A abertura de setores da economia à iniciativa privada talvez seja uma das principais mudanças previstas para os próximos anos. Ela, por si só, desperta uma série de questões na esquerda mundial.

Estaria Cuba migrando lentamente para o capitalismo? Estaria espelhando-se no modelo chinês? Ou trata-se de uma mudança emancipatória, com menos paternalismo estatal e mais protagonismo da população?

Associativismo
Para Frei Betto, um dos principais especialistas em Cuba no Brasil, as concessões como a instauração de empregos autônomos privados não devem ser interpretadas como privatização, mas “desestatização”. “O governo cubano, na avaliação que faz frente à crise econômica grave, constata que o Estado foi excessivamente paternalista. As pessoas dependiam do Estado como provedor, para os mínimos detalhes. O que o governo quer agora é incentivar iniciativas pessoais e associativas. Não é propriamente uma abertura para a iniciativa privada tal como a concebemos nos países capitalistas. As medidas visam a que as pessoas possam gerar a sua própria renda, a partir de iniciativas individuais, mas, sobretudo, associativas, cooperativas. É o empreendedorismo. Essa é a linha que eles querem abraçar”, explica Frei Betto.

Uma das medidas que consta do documento preparatório do Congresso do PCC, que já circula entre a população, prevê o fim da libreta de abastecimento, que subsidia produtos da cesta básica.

Estado inflado
Outra ação polêmica deve ser o enxugamento da burocracia estatal. Acredita-se que de 500 mil a 1 milhão de trabalhadores vinculados ao Estado devam deixar seus postos. A medida, inicialmente, parece extraída do receituário neoliberal, mas os defensores do modelo cubano apontam que é essencial para a manutenção do socialismo.

O cônsul-geral de Cuba no Brasil, Lázaro Méndez Cabrera, assume que o país tem errado em sua política de amparo estatal, e, ao mudá-la, o socialismo não é prejudicado, mas reforçado. “Cuba não fará uma reforma do socialismo. Estamos trabalhando numa adequação e atualização do socialismo cubano. São centenas de profissões que terão liberdade individual e livre comércio. Elas se reúnem com outras, ampliam-se, então há a necessidade de reduzir o aparato de Estado, que está completamente inflado. Não há economia que resista a isso”, aponta.

Ele também critica o que ele chama de “igualitarismo”, que tem sido praticado em Cuba. “Temos que trabalhar forte para mantermos a igualdade entre os cubanos, mas temos que trabalhar também para desterrar o igualitarismo. O igualitarismo não faz bem. Ou seja, é um problema dar a mesma coisa para os que necessitam e para aqueles que não necessitam. Muitas pessoas lucram com certos produtos e os revendem”, diz, referindo-se a algumas gratuidades existentes na ilha.

O escritor cubano Félix Contreras é um crítico do acomodamento de milhares de funcionários improdutivos dentro do Estado. Ele aponta abusos, como a presença de 300 mil funcionários no Ministério do Comércio Exterior, em um país em franca dificuldade econômica e uma população de apenas 11 milhões de habitantes.

“Para o governo Raúl – que tem os pés mais no país e os olhos voltados para dentro de casa –, o modelo econômico não dá mais. Há uma imensa improdutividade de trabalhadores, uma quantidade de postos de trabalho sem conexão com o aparato produtivo e uma colossal quantidade de gente no aparato da burocracia. A economia cubana tem sido tratada mais como um veículo de domínio político do que um processo de produção e distribuição, esquecendo uma das principais leis do socialismo: de cada qual segundo sua capacidade, e a cada qual segundo sua necessidade”, avalia.

Mudanças necessárias
Segundo o escritor, aqueles que se beneficiam do paternalismo estatal estão angustiados  com a iminência de perder seus privilégios no próximo período. Para ele, as mudanças e concessões ao setor privado não contradizem os rumos socialistas da revolução, já que Cuba precisa adaptar-se às novas condições econômicas do mundo e da região.

Para o historiador brasileiro Luiz Bernardo Pericás, a dinâmica da economia cubana dos últimos anos atingiu um nível insustentável, tornando premente a necessidade de reformas e reestruturação. “Se olharmos a questão estritamente em termos econômicos, há uma urgência pela implementação de ajustes, ou corre-se o risco de uma paralisia completa do setor produtivo, que é subutilizado e mal gerenciado. Para se ter uma ideia, somente metade da área agricultável da ilha é utilizada, há um déficit habitacional enorme e pelo menos 70% dos alimentos consumidos no país são importados”, salienta.

Modelo chinês? NEP cubana?
Quando se fala em um modelo socialista em que o mercado passa a ganhar importância maior, é inevitável a comparação com as saídas chinesa e vietnamita – países governados por partidos comunistas, mas com práticas capitalistas.

A Nova Política Econômica (NEP) levada por Lênin na Rússia em 1921 também serve de comparativo, já que à época o líder soviético fez concessões a pequenas propriedades privadas a fim de reerguer o país arrasado pela 1ª Guerra Mundial. Em defesa da medida, Lênin afirmou que a União Soviética “dava um passo atrás para dar dois à frente”.

As comparações podem até ser elucidativas, mas são rechaçadas pela maioria dos especialistas. O cônsul-geral de Cuba no Brasil, Lázaro Méndez Cabrera, admite que Cuba já tentou se inspirar no modelo chinês, por vezes, mas nunca obteve êxito. “Não se pode comparar a China com Cuba, são realidades muito diferentes em vários níveis. Também não acho que estejamos dando um passo atrás para dar dois à frente”, aponta.

O historiador Luiz Bernardo Pericás acredita que exista o perigo ético na oficialização de um “socialismo de mercado” à la China e Vietnã. Mas não crê que esse seja o desfecho mais certo. “O mais provável é que Cuba construa um modelo próprio, a partir de suas características singulares, mas tendo como inspiração os modelos chinês ou vietnamita. Haverá, possivelmente, uma maior abertura para empresas privadas (em setores não-estratégicos) e a continuação e ampliação do que já existe há muitos anos no país, os pequenos negócios, serviços, restaurantes, entre outros.  Uma parte da propriedade social deixaria de ficar nas mãos do Estado e passaria para cooperativas (como no caso da agricultura)”, prevê.

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/